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Porto distante: crise da Crimeia deixa incerto destino do BPC ‘Vladivostok’


Porto distante: crise da Crimeia deixa
incerto destino do ‘Vladivostok’

 

Roberto Lopes
Jornalista especializado em assuntos de Defesa.
Graduado em Gestão e Planejamento de Defesa
pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade
de Defesa Nacional dos Estados Unidos.
Autor do livro “As Garras do Cisne”,
 sobre a programa de expansão da Marinha do Brasil,
 previsto para ser lançado em maio deste ano.

 
Desde que, no início da terceira semana de março, o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius, aventou a hipótese de a França vir a cancelar a venda do navio de assalto anfíbio “Vladivostok” à Rússia, como forma de punir o governo de Moscou pela anexação da Crimeia, os círculos navais internacionais analisam os possíveis destinos desse navio – um porta-helicópteros classe Mistral, em fase final de prontificação.

Poucos sabem, mas cinco meses atrás três marinhas – Canadá, Índia e Brasil – viram frustradas as suas expectativas de adquirir o novíssimo “Karel Doorman”, um navio de apoio logístico holandês supermoderno, dotado de convés de vôo e capacidade de desovar destacamentos de fuzileiros navais no mar – ainda que em quantidades bem menores que as transportáveis por um navio tipo Mistral. O governo de Haia ofereceu o “Doorman” ao mercado no primeiro semestre de 2013, mas em outubro daquele ano, pressionado por sua oficialidade naval e por alguns parlamentares, desistiu de vendê-lo.

A embarcação, de mais de 28.000 toneladas – espaço para carregar seis helicópteros médios de combate e um hospital para 20 leitos –, custaria cerca de US$ 480 milhões, e a verdade é que a cifra não surpreendeu – ou abalou – os chefes navais brasileiros.

Em 2010 eles calcularam que pagariam, no mínimo, de US$ 550 milhões a US$ 600 milhões, para obter um navio de assalto anfíbio novo. O barco é uma das necessidades mais prementes entre tantas da Marinha do Brasil. A capacidade da esquadra de largar frações de fuzileiros em lanchas de desembarque no mar, para o ataque à terra, foi zerada ainda em 2010, quando o navio de desembarque-doca “Rio de Janeiro” (um veterano de quase 60 anos de uso) foi desativado. Seu congênere “Ceará” já havia sido encostado, em outubro de 2007, para ser submetido ao Período de Manutenção Geral – procedimento que vem se revelando bastante demorado, e só deve ter fim no segundo semestre deste ano.

Por todos esses motivos a divisão de Inteligência Estratégico-Militar da Subchefia de Estratégia do Estado-Maior da Armada, a Subchefia de Inteligência Operacional do Comando de Operações Navais e a Subchefia de Inteligência Estratégica do Ministério da Defesa acompanham com discreto interesse (e informações da Adidância Naval brasileira em Paris) a guerra de declarações entre os governos de Paris e de Moscou.

O vice-ministro da Defesa da Rússia, Yuri Borisov, anunciou, no último dia 21, que seu país exigirá da França uma vultosa indenização, caso o fornecimento dos dois porta-helicópteros classe Mistral contratado ao estaleiro francês DCNS em 2011 – por cerca de US$ 1,8 bilhão – seja cancelado. Fabius havia argumentado que a anulação da venda faz parte da terceira etapa de sanções que os países da União Europeia pretendem impor à Rússia por causa da grave crise entre os governos moscovita e ucraniano. Por enquanto a Europa Ocidental ainda implementa a segunda fase de punições (congelamento de vistos e de ativos econômicos de autoridades russas e da Crimeia pró-Moscou) – um tanto branda aos olhos da comunidade internacional.   

Com o comprimento de dois quarteirões, o “Vladivostok” desloca 21.300 toneladas e está apto a transportar 16 helicópteros de combate mais um batalhão de tanques – além de um hospital com 69 leitos. Na Marinha francesa é classificado como bâtiment de projection et de commandement – navio de projeção e comando (ou, simplesmente, BPC).

Ele permitiria à Marinha do presidente Vladimir Putin renovar completamente a sua habilitação para a projetar poder do mar para a terra. Três anos atrás, França e Rússia acertaram que os russos pagariam US$ 992,8 milhões pelo “Vladivostok”, e US$ 896,3 milhões pelo irmão gêmeo dele, mas é claro que esses valores podem ser renegociados. Sua construção dentro dos padrões da eletrônica naval e dos sistemas navais de combate russos é, contudo, um empecilho tão grande – ou maior – para a sua revenda, quanto o preço.

Olhando por esse ângulo, o cliente mais adequado seria o governo da Índia, que há décadas opera unidades navais de origem russa. Mas nos círculos diplomáticos de Paris comenta-se que a França poderia ficar receosa de fazer a venda ao governo indiano e depois assistir, impotente, a transferência do barco – por um motivo qualquer – para a frota russa.

Canadá e Brasil não ofereceriam esse tipo de risco.

A Marinha do Brasil enfrenta limitações orçamentárias seríssimas, mas a seu favor, para a aquisição do Mistral russo, conta o histórico de cooperação com o DCNS na fabricação de submarinos, e a perspectiva (hoje bastante crível) de, na próxima década, a frota naval brasileira contratar esse mesmo estaleiro para assessorá-la na construção de um porta-aviões de ataque.

De qualquer forma, mesmo no caso do cliente Brasil – um país fora das disputas Leste-Oeste –, o complicador político de uma operação desse porte não pode ser desprezado.

O Brasil faz parte do grupo dos BRICS (acrônimo que representa o grupo das potências econômicas emergentes integrado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), e é cliente da indústria de armamentos russa. Parece difícil imaginar que Brasília se disponha a, indiretamente, afrontar o governo de Moscou, comprando aos franceses um navio de guerra que foi, originalmente, encomendado por ele.

A nação canadense – que tem no francês um dos seus dois idiomas oficiais – desfruta de ligação estreita com Paris, e há mais de uma década vem debatendo a ampliação de seu poderio no mar, especialmente para fazer face às incursões da frota russa na parte setentrional do Atlântico Norte, perto do Ártico.

Nos bastidores da diplomacia parisiense também não se descarta que alguma marinha asiática, ou mesmo a da Arábia Saudita – que experimenta um forte processo de expansão –, venha a demonstrar interesse pelo “Vladivostok”.

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